E hoje,
meus amigos, volto a falar-vos de s. Vicente, o padroeiro da cidade de Lisboa e
grande amigo dos animais, menos dos cães.
Já vos contei como chegaram a
Lisboa as relíquias sagradas. Enfim, quando chegaram eram só um punhado de
ossos, recolhidos nas circunstâncias rocambolescas que já sabeis.
Quanto ao resto, também a
história que se conta está longe da verdade.
O secretismo com que toda a
operação foi feita, já em terra. A forma atribulada como as relíquias foram
levadas de um sítio para outro e até o aproveitamento político do rei de todo o
fenómeno de massas que a coisa gerou... Tudo tanga. Àquela hora estava tudo a
dormir. E os que não estavam, estavam bêbados demais para se chatearem. De
facto, houve algum reboliço popular nessa noite, mas não foi por isso. E como
não foi por isso, não interessa saber porque é que foi.
Já o rei... Estais a ver o rei a
ralar-se com merdas dessas? Ou a ter inteligência, um labrego daqueles, para
fazer jogadas políticas? Estávamos na Idade Média, porra. Ainda não havia
tecnologia para isso!
A verdade é que aquilo a que se
ficou a chamar "as relíquias do santo" lá foram parar à Sé. Mas foi
só por uma razão. Porque já estavam fartos de andar com aquilo às costas e não
tiveram para subir o resto da rua até ao castelo e porque lá no castelo os cães
davam conta daquilo num instante. E na Sé não entram cães.
Nem os cães sarracenos, por
razões óbvias, nem os pastores alemães. Aliás, o padre era galego.
A história dos corvos também
está muito mal contada.
Eram papagaios. Três.
Lá no Algarve eram melros, mas
em Lisboa eram papagaios.
Três papagaios que fugiram de
uma barbearia e que se juntaram ao cortejo. Que o papagaio é um bicho muito
sociável.
O que acontece é que, como era
de noite, os confundiram com corvos. Como se sabe - de noite, todos os
papagaios são corvos. É um provérbio antigo.
Também é verdade que a partir
daí os comerciantes de Lisboa começaram a ter corvos vivos à porta das lojas.
Diziam que era para protecção. E era. Por causa da rataria. Só isso.
Já os corvos que começaram a
habitar a Sé de Lisboa. Mentira uma vez mais. Eram andorinhas que entravam pelo
telhado. Com o efeito das luzes pareciam corvos. Mas eram andorinhas.
E podia
contar-vos mais alguns pormenores inéditos, da história de s. Vicente, mas não
o faço já, porque ainda não almocei desde que vim do Algarve.
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